Oi pessoal!
Estava preparando um “Pra que gente?” para essa semana, mas
uma ideia pintou na minha cacholinha (coisa rara aqui pro blog, um post novo é
quase um parto sem anestesia peridural) e resolvi deixar a destilação de veneno
pra próxima semana. Gostaria de falar um pouco sobre mangás. Esse mês chegou
minha Ribon trazendo um one-shot de uma novata que mandou seu material para
avaliação numa edição anterior. Peguei-me pensando nos motivos pelos quais ela
foi escolhida entre as dezenas de mangás de iniciantes que devem chegar toda
semana na editora. Será que eu tenho o que ela tem? E se eu tivesse a minha
editora e fosse lançar uma revista como a Ação Magazine (no estilo shoujo, por
favor! XD), saberia eu fazer a melhor escolha entre os aspirantes a mangakás?
Antes de tudo, enquanto você lê esse pobre bloguinho, milhares
de pessoas desenham mangás. E não me refiro aos japoneses não. Sei que algumas
pessoas insistem que apenas se faz mangás no Japão, por razões nunca muito bem
especificadas. A meu ver, mangá é um estilo e assim como o impressionismo pode
ser copiado e assimilado. Uma vez que as regras e conceitos que regem aquele
estilo são respeitados, porque não pode ser chamado de mangá? A nacionalidade (e
DNA também, não sei) aqui é algo que não conta. A diferença é a bagagem
cultural de cada povo. O mangá está na veia do japonês que convive com ele
desde o berço. Quem já viu algum programa da NHK, por exemplo, vai perceber que
para eles tudo é desenho, é representação gráfica. O Brasil nunca foi de apoiar
as artes plásticas (até nossos colonizadores não tinham tradição nas artes
visuais), que dirá quadrinhos. O nosso processo pode ser mais lento que o dos
chineses ou filipinos, mas chegaremos lá. Estamos seguindo firmes no caminho,
isso é o que importa.
"Tenho o meu valor! Não sou pirata! Não uso nem tapa-olho, nem perna-de-pau!"
Então agora estamos
lá naquele avião do filme “A Origem”, dopados e sonhando docemente. Acabei de
ganhar na loteria e tenho dinheiro até pra forrar a gaiola do passarinho com
notas de cem. Minha editora já tem o sugestivo nome de “Tons & Sonhos” e
vou lançar minha antologia de shoujo mangá chamada “Lilás” (nome originalíssimo,
diga-se). Resolvi convidar os melhores artistas que conheço, visando os mais
profissionais e com mais vontade de trabalhar. Mas e os novos talentos? Terão
vez? Como um editor no Brasil escolhe quem irá publicar? Que critérios ele usa?
Quando a Tokyopop dava seus gemidos finais antes de ir pra
cova, tiveram a genial ideia de lançar o livro “How to draw Shojo Manga”,
originalmente publicado no Japão pela editora Hakusensha, casa de grandes
revistas como a LaLa e a Hana to Yume. Corri pra conseguir meu exemplar, porque
mesmo desenhando faz alguns anos, conquistado meus fãs (minha mãe, meu pai, minha
avó, meu irmão e minha irmã) e já ganhado alguns trocados desenhando mangás, eu
aprendi muito com esse livro. Estou sempre buscando me aprimorar, nunca é
demais aprender coisas novas, ninguém sabe tudo. NINGUÉM. Se você conhece algum
artista que sabe tudo, que manja tudo e tem resposta pra tudo; amigo ele é um
deus ou um idiota. Segunda opção com mais de 99.99999% de chance.
Ótimo presente de natal para quem quer desenhar shoujo!
Voltando ao livro, caso queira desenhar lindas ilustrações
em estilo mangá, ele não é para você. A abordagem vai desde algumas dicas de
material (que, por favor, NÃO FAZ O ARTISTA!), passando por quadrinização e
encerrando com o endereço da Hakusensha e de como você deve apresentar seu
trabalho ao editor. Sim, amigos! Lá é comum mandar trabalhos e até agendar
avaliações de material com os profissionais da editora. A indústria precisa ser
sempre alimentada com novos talentos. Não é um favor. É como as coisas devem
ser. Chamou-me muito a atenção que no livro um editor de mangás da Hakusensha
disse que buscavam não apenas um bom desenho e uma história interessante, mas
também um artista que pudesse crescer na editora. Eles buscam potencial. Será
que eu saberia avaliar se um artista iniciante tem potencial? Obviamente que
ter um desenho dentro dos limites do razoável é o mínimo. Anatomia correta e
uma narrativa basicamente compreensível também. Mas como avaliar o potencial?
Você saberia?
Outra prática comum (que eu seguiria na “Tons & Sonhos”)
é não aceitar o artista na primeira entrevista. Ele pode ser um Akira Toriyama,
mas não se dá logo uma chance ao sujeito. A razão é simples: nem todos sabem
lidar com o NÃO. Muitos artistas (ou que se acham assim) se melindram fácil com
críticas, tendo as mais diversas reações. Desde ameaçar o crítico com agressões
(é sério) até jogar a toalha e não mais desenhar. Artista que se preze, em
qualquer área, tem que saber apanhar, levar porrada e ficar em pé. Se cair na
primeira bofetada, procure outra coisa pra fazer da vida, porque a tendência é
lidar com trolls cada vez mais ferozes e com críticos construtivos cada vez
mais exigentes. Agora imagina contratar um desenhista que no primeiro twit do
@trolldapahvirada dizendo: “Sua história é uma merda!” tem um surto e larga
tudo pela metade? Pois é. O NÃO é um bom termômetro. Eu que sei....
Na esquerda a avaliação e na direita a publicação. Boa sorte!
Quando chegou a Ribon #10 de 2011, reparei que aquele
desenho do one-shot estava entre as histórias submetidas à avaliação da revista,
na edição #8 (como eu queria mandar uma história minha para avaliação! Eles iam
me trollar muito, mas gostaria de uma opinião assim mesmo). A autora não tem
aquele desenho espetacular de uma Maki Youko (sou fã), sofre algumas
influências da Ai Yazawa, mas sem ser uma coisa descarada. Suas notas foram
altas na avaliação da Ribon e ela conseguiu sua chance de ser testada pelo
povão. Será que virá a ser uma autora famosa no futuro? Quem sabe? Mas foi
interessante ver os primeiros passos de uma possível nova mangaká da Ribon. Com
certeza faria isso em minha revista, dando espaço para avaliar novos artistas. Falta-me
a bagagem para enxergar além de um desenho bonito (me derruba um desenho lindo,
confesso), mas espero que aos editores brasileiros não. O que o pessoal da
Ribon enxergou naquela moça pode (e deve) estar em muitos artistas nacionais,
mas saberíamos ver? Poderíamos ir além das amizades, dos gostos pessoais, do
preconceito com estilos A, B ou C? Do “nome” que alguns construíram na “terra
de cego”?
Concursos de desenho são coisas cruéis e vis, mas muitas
vezes é a melhor maneira de encontrar um artista. A editora espanhola Norma
promove todos os anos um concurso de mangá para jovens talentos. O vencedor
ganha a chance de publicar apenas um livro para começar. O resultado desse ano
já saiu e confesso que rolou certa decepção. O nível dos trabalhos realmente
estava meio baixo se comparado ao do ano passado. Lá no site Mision Tokyo ainda
dá pra ver os finalistas. Participei ano passado e nem entre os 10 melhores eu
fiquei. Foi uma boa experiência, acredito que hoje faria diferente, mas nada
garante que teria chance mesmo assim. Algo no estilo da Norma é muito
interessante. Um trabalho de volume único poderia ser o caminho para novos
artistas aqui no Brasil.
História vencedora do "Concurso Manga" de 2010 já em publicação pela Norma
Quando estava comemorando meu sucesso com a “Tons &
Sonhos”, me vingando de todos os meus desafetos da época da escola e indo para
minha cobertura tríplex de frente para o mar com meu noivo Sr. Eames, ouço
aquela safada da Piaf começar a cantar! Vaca de francesa! Isso significa que
logo em seguida vem o chute. Acordo tonta, revoltada, não estou mais no avião,
mas num ônibus lotado em um engarrafamento na Avenida Brasil. O sonho de ter
minha editora e publicar minha antologia shoujo fica pra próxima vida. Continuarei
desenhando e fazendo minhas histórias, usando a internet a meu favor. Esse
sonho de coordenar uma revista no estilo shoujo é lindo, mas não sei se me
sairia bem. Não escalaria apenas os amigos, isso é fato. Impessoalidade é a
melhor amiga da competência. Encontrar os profissionais empenhados e que
deixassem o ego em casa. É... não é um trabalho fácil.
Nossas chances de fazer nosso mercado de mangás nacionais
crescer nunca estiveram maiores. Quem esteve lá no começo da febre de CDZ,
quando a Rede Manchete ainda existia, sabe o quanto pipocou gente oportunista e
canalha, com revistas medíocres e mão-grande no trabalho alheio. Depois desses
tropeços, acho que estamos acertando o passo, com gente bem intencionada agora.
Quem sabe a “Lilás” um dia se torne realidade? As chances são bem maiores que
ser noiva do Sr. Eames....